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Todo mundo é burguês

 A ideia de que não tem alternativa, de que todos devem lutar para sobreviver e isso também implica em ter posses, providência e previdência para a velhice e, se possível para dar mais opções aos descendentes, faz parecer que todos são burgueses. Somado a isso, a invisibilidade das pessoas trabalhadoras, que fazem toda a roda girar mas que, como são gente simples e modesta, não se fazem ver e não são vistas de fato. Não dá pra aceitar que a grande maioria seja tratada como animais de carga e de plantio. Aquele que defende uma revolução é visto como lunático, alguém que perde tempo em pensar algo que não seja a sua reproduzção e a busca por providências e previdências. Quando um comunista compra alguma coisa, "a lá, ta vendo, é capitalista como todo mundo". Como se os comunistas não comessem, não vestissem e não se preocupassem com a sua velhice... devem achar que comunista é igual jesus cristo, divide o pão, dá a outra face e vive profetizando com chinelos gastos. Se vissem u

Trecho de "A Náusea" - Sartre

 As leituras do Autodidata sempre me desconcertam.  De repente voltam a minha memória os nomes dos últimos autores cujas obras consultou: Lambert, Langlois, Larbalétrier, Lastex, Lavergne. É uma iluminação; entendi o método do autodidata: instrui-se por ordem alfabética.  Contempol-o como uma espécie de admiração. Que vontade tem que ter para realizar lentamente, obstinadamente, um plano de envergadura tão vasta. Um dia, faz sete anos, "ele me disse que estudava havia sete anos", entrou com grande pompa nesta sala. Percorreu com o olhar os inúmeros livros que cobrem as paredes e deve ter dito, mais ou menos como Rastignac: "Agora nós, Ciência Humana." Depois foi pegar o primeiro livro, da primeira prateleira da extrema direita; Abriu-o na primeira página, com um sentimento de respeito e terror, acompanhado de uma decisão inquebrantável. Atualmente está na letra L. K depois do J, L depois de K. Passou brutalmente do estudo dos coleópteros para o da teoria dos quanta,

Diário das palavras 2

chuveiro de tanto que ela rolou, acabou ficando encanada. encanou que vinha na pressão pra aliviar os corpos, sedentos, sujos e sofridos. saiu numa torrente violenta sob o ruído do alto ou num chuvisco engasgado, como choro reprimido, meio entupido. molhou nossa cara enrugada de tantas tensões sem resposta, cansada da labuta e da conversa mole. é preciso tomar o seu curso, lavar o veio da terra, tal qual cachoeira, tempestade, tormenta. daquela que rasga a carne, levanta casa, vira tudo do avesso. fazendo jus aquele ditado da pedra, porque fura. pode ser pingando porque a vida é curta pra presenciar todo seu ciclo. mas certamente no encanamento não vai ficar, não cabe ali.

o passado ameaça

o passado e nossa origem, espacial, temporal e de classe, do povo, de gênero nos ameaçam. nós estamos sempre com ele no encalço, alguns correm pra sombra não pegar mas ela nunca se separa. outro não se importam com ela. mas no sabemos de quantos joãos e marias viveram uma vida de trabalho, para além do suportável, preso à roda que lhe tortura, sem ao menos entoar um gemido de revolta e insatisfação para superar a sombra da miséria. não que essa sombra não ameace realmente a todos de uma classe que trabalha. sabemos quantos não hesitaram quando apareceu a oportunidade de viver e não foram capazes pelo medo. ou aqueles que, lutando contra o medo, encontraram o medo do medo e despertaram numa luta consigo mesmo, fugindo da própria sombra no mesmo instante que se posiciona no ângulo em que esta aumenta demasiadamente. ela se torna invencível e nós viramos crianças perdidas e assustadas, incapazes  de reconhecer a ligação do ser com sua representação imaginária e assombrosa.  

Diáro das palavras 1

 Passageiro relacionado àquele que está de passagem. ou que tem uma passagem para qualquer lugar. não se sabe se chegará mas está no passo. no lugar de passagem onde tantos transitam, por vezes aleatoriamente, ainda que pensem haver um destino. ou estão tão presos à direção que não se apercebem ao passageiro, que, relacionado, confunde-se com o próprio definitivo e permanente. tantos passageiros fazem parte do movimento tectônico das placas e, ainda que tão presos a suas próprias engrenagens. a coisa toda não anda, o movimento acontece, até que aparentemente rasga numa sub elevação ou padece num perecível presente durável e troiano.  

Benjamin - Alarme de incêndio

A ideia que se tem da luta de classes pode ser enganadora. Não se trata de uma prova de força em que se tenha de decidir a questão de saber quem ganha e quem perde ; não se trata de um combate depois do qual o vencedor ficará bem, e o vencido, mal. Pois, quer a burguesia ganhe, quer ela perca essa luta, ela está condenada a sucumbir às contradições internas que se tornarão fatais ao longo da sua evolução. A questão é apenas a de saber se ela se afundará por si própria ou pela ação do proletariado. A manutenção ou o fim de uma evolução cultural com três mil anos serão decididos pela resposta a essa pergunta. A história nada sabe sobre a imperfeita infinitude simbolizada nos dois gladiadores eternamente em luta. O verdadeiro político só faz projetos a prazo. E se a eliminação da burguesia não for concretizada até um momento rapidamente calculável da evolução econômica e técnica (a inflação e a guerra de gás parecem assinalá-lo), então tudo está perdido. É preciso cortar o rastilho antes

[aforisma] a organização revolucionária na beira do abismo

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"antes a frase ia além do conteúdo, agora o conteúdo vi além da frase" Marx As reflexões sobre organização dos revolucionários esteve muito associada aos sucessos da Revolução de Outubro de 1917 mas nem só de sucesso se vive uma empreitada. Como a tarefa que temos é internacional, intergalática se quiser, vamos quero lembrar de algunas cositas que quedaron atrás. Nosso querido Marx, que não é o gênio da bússola mas sabia onde pisava, andou conversando e fazendo parcerias nas terras que depois seriam a ponta de lança da Revolução de Lenin. Em suas conversas com os populistas russos, depois de teimar consigo mesmo, admite que existe uma possibilidade revolucionária que não era prevista em sua cachola. Essa possibilidade não é levada a sério pelos revolucionários, com exceção de alguns poucos, e tem a ver com saltar etapas e aproveitar a tradição comunitária ancestral na construção da nova sociedade. Quem conhece Marx sabe que ele jamais abriria mão daquilo que identificou como